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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Vale a pena " Ler de novo " .


ÉPOCA
Edição: n. 640 (23/08/2010)


Artigo de Capa : Conheça as 100 Melhores Empresas para Trabalhar. O Google Brasil foi o vencedor.


Educação : O método vencedor da educadora Eda Luiz


“Ensino de Gente Grande”, as boas ideias que fazem a diferença!

Ensino de gente grande
Sob o comando da pedagoga Êda Luiz, um modelo de educação de jovens adultos da periferia de São Paulo vira
coleção de livros didáticos .





Camila Guimarães


Rogério Cassimiro
DISPOSIÇÃO    

 
A educadora Eda Luiz em uma das salas de aula do centro do Campo Limpo: ela montou um método baseado na história de vida dos alunos .
Eda Luiz, de 62 anos, é diretora de uma escola diferente.

Se não fosse por uma placa meio apagada, não daria para saber que a casa de grades marrons, varanda e janelas de madeira, muito parecida com as outras da rua residencial na periferia de São Paulo, abriga 1.500 alunos. O portão destravado leva a um corredor lateral íngreme, que depois de alguns metros se abre em um pequeno pátio com um bem cuidado jardim.
O pátio, com paredes desenhadas e chão pintado de azul, não é usado para o recreio, mas em assembleias nas quais alunos, funcionários e professores tomam decisões sobre regras da escola. Apesar de ser do ensino fundamental, não se veem crianças correndo ou comendo merenda. Os alunos são adultos. Assim é a escola da dona Eda, que construiu um jeito diferente de ensinar – e que em dez anos tornou o Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos do Campo Limpo num modelo eficiente de aprendizado e gestão.
Dona Eda faz parte do clássico grupo de professores que escolhem a profissão por vocação.
“Não me lembro de pensar em fazer outra coisa a não ser dar aulas”, diz. Aos 14 anos, já dava aulas de reforço para colegas da escola. Filha de imigrantes italianos, nascida e criada no bairro paulistano do Itaim Bibi, Eda foi “dona” de duas “escolas” quando era criança. Uma era a mesa de madeira que seu pai, marceneiro, fez para ela. Era onde recebia alunos imaginários. Depois, uma casa de madeira em cima de um pé de abacate no quintal de casa. “Eu só deixava entrar quem quisesse estudar”, diz. Pisou numa sala para dar aulas de verdade aos 16 anos, quando estava se formando no magistério, em 1966.

Sempre teve dois empregos para ganhar um pouco mais. Aposentou-se na rede pública em 1998.
Acabam aí os clichês que permeiam sua carreira docente. Meses depois da aposentadoria, não aguentou os serviços de babá dos netos e voltou a trabalhar. Nesses 46 anos, dona Eda desenvolveu uma sadia intolerância aos lugares comuns da educação. Para entender o trabalho da educadora, é preciso primeiro saber como funcionam esses centros. Existem outros 13 em São Paulo, que atendem exclusivamente jovens e adultos. Vem dos alunos sua principal característica: a diversidade.

No Campo Limpo, pouco mais da metade são jovens que não se adequaram às novas regras de idade do ensino fundamental ou que vieram da Fundação Casa (antiga Febem) e estão ali obrigados. Além deles, adultos de todas as categorias: tem a dona de casa, como Marilena de Aquiles, de 46 anos, que parou de estudar na 6ª série para trabalhar. Ou Carlos Arruda, de 46, impressor de rotogravura, que voltou a estudar porque a empresa onde trabalhava passou a exigir o estudo. E mais 250 alunos portadores de necessidades especiais. Todos moradores de áreas pobres e invariavelmente violentas da região.

Dona Eda conhece essas histórias de cor. “De cada um, não da média”, diz. Esse é o principal chavão que a pedagoga faz questão de desmontar. Ele tem origem nos teóricos da educação de adultos que dizem que é preciso “respeitar a bagagem do aluno”. “O que me interessa é como fazer isso no chão da sala de aula”, diz ela. “Quando eu digo que aqui aluno é o centro do ensino, é porque ele é mesmo.” E mostra a prova: os cadernos usados por professores nos últimos dez anos. São diários de classe com registros de tudo o que acontece durante as aulas. A partir desses relatos, são planejadas as aulas futuras.

Um exemplo simples: em uma aula de herança genética, uma aluna de descendência japonesa contou a história de como, ao longo de gerações, sua família se misturou com outras raças. Também fez um diagrama mostrando os parentescos. O desenho ilustra outras aulas sobre o mesmo assunto.
Os diários com as impressões dos alunos viraram objeto de desejo de uma editora especializada em livros didáticos. Dona Eda e sua equipe foram convidadas a transformá-los em livros didáticos, que já estão sendo usados por sete redes municipais, na Bahia, em Minas Gerais e em São Paulo. Até o fechamento desta reportagem, estavam no páreo da primeira licitação de livros para jovens e adultos do Ministério da Educação. “Além da consistência do conteúdo, nos chamou a atenção a eficácia em sua aplicação”, diz Rosimara Vianna, editora. O diagrama da família japonesa ilustra a página 99 do volume 3.

Dona Eda não é personalista. Essa eficiência é resultado de valores pedagógicos que são compartilhados por sua equipe de professores. Dos 36 mestres, 20 estão com ela há dez anos. A seleção é feita com rigor – e foge do lugar-comum dos concursos públicos: ela exige a apresentação de uma aula e há entrevistas com ela e com a coordenadora da escola. Os bons resultados também estão relacionados com a forma como as aulas estão organizadas. Elas duram duas horas e meia (e não os 45 minutos tradicionais) e são conduzidas por dois professores. O de matemática entra em classe para ensinar geometria junto com o de artes.

“Nós somos desafiados o tempo inteiro, não dá para ficar acomodado”, diz Celia Santos, professora de história e geografia.

Talvez o único chavão que dona Eda não tenha conseguido eliminar seja o da descrença no aprendizado de adultos.

 “É difícil fazer as pessoas acreditar que é possível fazer diferente.”
 
 
 

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